Minha primeira formação acadêmica foi em engenharia de alimentos e trabalhei bons anos em indústria de alimentos. Falo disso porque apesar de ao longo da minha carreira trabalhar com muitos setores diferentes, além de alimentos, mas sempre acompanhei a evolução do agronegócio no Brasil.
Há 40 anos atrás ninguém poderia imaginar que o centro oeste Brasileiro se tornaria a potência que se tornou em termos de agronegócio, considerando a produção agrícola e de proteína animal, posição antes ocupada pela região sul do Brasil.
Quando analisamos o crescimento da atividade no Brasil, de 1990 até hoje, a área plantada com grãos cresceu 71%, enquanto a produção agrícola cresceu 5 vezes, ou 335% (1). Impressionante a tecnologia, o esforço e o empreendedorismo de todos os atores envolvidos nesse processo. Muitos testes, frustrações, incertezas em função do clima, solo, variedades dos grãos, genética dos animais, economia, mercados locais e globais, enfim muita coisa aconteceu ao longo desses anos para o Brasil chegar aonde chegou – uma potência do agronegócio. Sem contar a geração de trabalho, pois em torno de 77% da estrutura produtiva do agronegócio é formada por pequenos e médios produtores.
Sendo a fome um mal que ainda afeta o mundo e sabendo que, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), o planeta terá em torno de 9,7 bilhões de habitantes, em 2050, faz-se necessário, até lá, aumentar a produção de alimentos em mais de 60% para garantir a segurança alimentar mundial. Isso já considerando solucionado o problema de desperdício de alimentos. Como podemos ver, ainda há muito trabalho a ser feito no Brasil, e no mundo, para atender tal demanda.
Sabemos que o desmatamento indiscriminado precisa continuar sendo combatido e temos um código Florestal de 2012 que impõe às produções agrícolas faixas de preservação que variam de 20 a 80%, a depender do bioma. Isso precisa ser cumprido.
Quanto ao consumo de proteína animal, sabemos que existe um abismo no consumo entre países mais desenvolvidos, que consomem entre 20 e 56 kg/habitante/ano, e outros menos favorecidos (alguns países da África e China) que consomem de 1 a 5 kg/habitante/ano (2). Talvez um reequilíbrio no consumo já traria um grande benefício.
Mais recentemente, conclui um doutorado em inovação e sustentabilidade, e estou muito envolvida com as questões de ESG/economia circular na gestão e governança das empresas. O mundo está enfrentando agora um desafio gigante com relação à sustentabilidade, em função emissões de gás estufa e aquecimento global, causados por muitos fatores diferentes como todos nós temos acompanhado. Estamos aprendendo que não podemos mais conviver com a nossa forma de consumo desenfreado e seus impactos em termos de desperdício, lixos eletrônicos, utilização de produtos plásticos e descarte abusivo na natureza, excesso de aterros sanitários, lixão aberto, poluição dos mares, contaminação de solos e águas, dentre outros.
Para nortear as discussões do eixo temático de mudanças para padrões de consumo saudáveis e sustentáveis, temos a ODS 12 da ONU. Projetos muito bons estão sendo realizados em todo o mundo, principalmente ao redor de grandes cidades, relacionados a agricultura regenerativa de pequenas propriedades, hidropônicos e aeropönicos. O objetivo é o abastecimento da população local com produtos mais saudáveis e redução de perdas em função de transporte e armazenamento, além da diminuição da tempo entre a colheita e o consumo. Isso é muito relevante para vegetais, legumes, frutas, ovos, frangos, e outros, mas, para sistemas alimentares maiores, o desafio é ainda maior. Sem contar os aspectos saudáveis da agricultura regenerativa e orgânica e potenciais reduções de consumo de fármacos.
Enfim, precisamos ter bom senso quando se trata de grandes sistemas alimentares, considerando que o desafio de evolução é muito maior e o volume necessário para alimentar o mundo só cresce. Preocupa-me quando vejo um discurso único na questão de sustentabilidade dos sistemas alimentares e potenciais leis no exterior com restrições que podem ser criadas no futuro, sem tomar em consideração as diferentes escalas dos sistemas alimentares e a crescente demanda mundial.
Penso sempre que esse é um processo de evolução, assim como houve muito esforço e investimento para tornar o Brasil um gigante do agronegócio, agora será necessário também um esforço semelhante para superar os novos desafios de padrões de consumo sustentáveis e saudáveis. Difícil, mas possível! Uma nova jornada a ser trilhada, porém agora será mais rápido, pois temos recursos e conhecimento suficiente para vencer essa batalha.
Fonte:
(1)RODRIGUES, Roberto; CHINA-BRAZIL PARTNERSHIP ON AGRICULTURE AND FOOD SECURITY; p.28; 2020.
(2) FAO – Food and Agriculture Organization- 2013